quinta-feira, 17 de julho de 2008

Música Portuguesa, Amanhã?


Para todos os que estiveram no CCB no passado fim-de-semana, foi uma evidência: a criação musical portuguesa contemporânea vive, cresce, multiplica-se. Em várias frentes. Frequentemente, com qualidade superior. E também com público. Se num ou noutro caso, particularmente nalguns concertos no Grande Auditório, a ocupação foi de menos de 50%, em muitos outros as salas estiveram bem preenchidas, mais até que em muitos concertos dos Dias da Música - com os quais alguns persistem em comparar este evento.

Foi a primeira vez que se organizou o MPH. Não há precedentes, entre nós, de uma iniciativa idêntica. Tendo esse factor em conta e a tradicional falta de interesse dos media nas músicas distantes do "fast food" da indústria musical, acho que este festival foi bem sucedido. Numa segunda edição, que por certo irá realizar-se, os resultados serão ainda melhores. Creio que, a partir daqui, há pouca margem para se voltar a afirmar que a música contemporânea portuguesa, seja ela erudita, improvisada, experimental, não tem público nem viabilidade. Concretamente no plano da erudita, de que nos ocupamos Na Outra Margem, tornou-se óbvia, para os que não a conheciam, a sua vitalidade, percebeu-se o "renascimento" de que fala Eurico Carrapatoso. Mais de 40 compositores no activo representados no evento, alguns dos nossos intérpretes de excelência, solistas ou colectivos. Os consagrados a par das novas gerações. Muito mais há para dar a ouvir, de elevada qualidade. Assim o queiram as instituições e os programadores, tenham eles coragem para o fazer e empenho em chamar públicos. Para que este primeiro festival se realizasse, foram precisas iniciativas individuais, que se substituíram àquilo que o Estado há muito deveria ter assumido.

O Estado. Sempre pronto a cumprir as suas responsabilidades, como todos bem sabemos! Sempre um passo à frente! Desta vez, celebrando antecipadamente a iniciativa, decidiu, por mão do zeloso Ministério da Educação, garantir que a música portuguesa seja uma realidade não apenas hoje mas também amanhã. Respondendo a todos os cépticos que achavam que a política por trás da proclamada reforma do ensino artístico mais não visava que poupar dinheiro aos cofres do Estado, o ministério faz sair em Diário da República, terminado o ano lectivo e com muitos pais e alunos ausentes de férias, um despacho que regulamenta as matrículas no regime supletivo do ensino da música, já para o novo ano de 2008/2009. Afinal a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues tinha razão quando dizia que não havia intenção de extinguir o supletivo: ele aí está, e com tanto vigor e seriedade que obriga os que por ele optarem a dedicar ao estudo da música 12 horas semanais, para além do horário completo que terão que seguir no ensino regular. Ou seja: cerca de 40 horas por semana, só nas escolas! Assim se constrói laboratórios de onde sairão um dia génios da música... presume-se que seja essa a cândida intenção do Secretário de Estado Valter Lemos ao assinar tal despacho; afinal não podemos acreditar que uma tão alienígena ideia não seja senão aquilo que parece: uma descarada mentira política. Ou podemos? Será que alguém mesmo acredita na honestidade deste despacho, a começar pela senhora Ministra?

Esta é a primeira medida para se democratizar o ensino da música, diz o Ministério. Percebe-se que haja quem não a acolha de braços cruzados. E não são poucos. Alunos, pais, professores, músicos. Quem sabe do que fala. Alguns deles virão ao Na Outra Margem, nos dias 31 de Julho e 2 de Agosto, explicar porque é que a política do Ministério da Educação para o ensino da música faz tábua rasa do que melhorou em Portugal nas últimas duas décadas. E por que motivo se prevê que, se esta perspectiva se confirmar, não venha a haver Música Portuguesa, amanhã.